Com Cristo Ficou Mais Difícil?
Ele era, até certo ponto, um ser sectário em suas idéias e verdades apreendidas. Fazia racionalizações diárias. Mas, o espelho de sua consciência revelava mais as incongruências do seu ser, do que a “verdade” que tanto enfatizava em suas perorações. Quão enganoso era o seu “coração”, pois, as palavras que saiam de sua boca, negavam o seu próprio eu interior. Dizia-se cristão, e, no entanto, comportava-se como um animal contraditório e escorregadio.
Os seus emocionantes sermões tinham sobre a plateia um poder de convencimento fora do comum. Sem saber que o próprio “saber” é também uma forma de dominação, ele esbanjava a sua verve diante dos que estavam numa posição de inferioridade. E, essa arrogante atitude frente às ovelhas que pastoreava, ele confundia com a vontade Divina. Ele não admitia que as suas velhas certezas pudessem ser contestadas pelo seu semelhante que estivesse a lhe ouvir. Não entrava em sua cabeça a máxima do filósofo Montaigne, que dizia: “a palavra é metade de quem a diz, e metade de quem a escuta”.
Certa noite, após ter feito um longo sermão sobre adultério, sem conseguir conciliar o sono, dedicou-se a autoreflexão. Os pensamentos que assomaram a sua mente foram muito fortes e devastadores, a ponto de deixá-lo receoso de que aparecesse alguém ali, e pudesse auscultar o que estava imaginando naquele momento.
Estava aturdido com o versículo emblemático, tema de seu último sermão, que como cola em madeira, impregnara o seu cérebro: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já cometeu adultério com ela. ( Mateus 5 : 28)
“Antigamente era melhor. Depois de Cristo, ficou mais difícil, porque, só em pensar o homem já cometeu pecado em seu coração” ─ Era esse o pensamento que vinha sufocando a sua alma após o duro sermão que fizera, com o intuito de conter o início de uma onda de litígios e separações entre casais em sua igreja.
A rígida hermenêutica que seguia letra a letra foi desconcertada pelo humano olhar que fazia, agora, para dentro de si mesmo. Por seus olhos passavam os valores, as crenças, aquilo que ele presenciava no meio da sociedade onde ensinava. Os paradigmas inflexíveis que ele colocara na sua vitrine teológica eram agora objeto de novas interpretações.
Estava realmente hesitante e confuso.
Lembrou-se do zelo de Saulo pela Lei. No afã de fazer prevalecer a Lei, o futuro disseminador do cristianismo, paradoxalmente, perseguia Cristo.
Em sua aflição chegou a perguntar para si mesmo: Nesse ponto, Cristo veio dificultar as coisas para o lado do homem?. Deus se humanizou para tornar mais complicada a vida do homem?
A frase fatal “de que agora se tornou mais difícil”, ─ martelava a sua cabeça.
Estremecido pela contradição humana, ele tentava apaziguar a sua alma, com exercícios e mais exercícios de imaginação. Continuou pensando, formulando perguntas e mais perguntas para si mesmo.
O fato de que Cristo viera resgatar a transparência, que havia se perdido, na relação entre os homens, no seu entendimento, tornara tudo muito mais difícil do que no tempo da Lei. Cristo viera rasgar o véu que escondia a hipocrisia do homem, para expor a trama mental urdida “secretamente” sob a forma de desejos ilícitos ─ era isso que ele de maneira tênue começava a entender.
Um vendaval de perguntas sem respostas, golpeava a sua mente insone na fatídica noite em que ele resolveu mergulhar, mais profundamente, nas águas tenebrosas do abismo do seu ser.
Um rosário de interrogações encharcava o seu confuso cérebro:
O melhor de antes, significava que a Lei só punia o ato, e era cega para as intenções do coração?
O melhor de antes, era porque, a cada sacrifício levado ao altar expiavam-se os pecados, deixando o homem livre para pecar de novo?
O que ficou mais difícil hoje, com relação aos pensamentos pecaminosos, é que com Cristo, não podemos mentir para nós mesmos?
Depois de muito refletir ele chegou à conclusão de que antes de Cristo, o formalismo das representações, como um porão, escondia os recalques e as más intenções urdidas nos recônditos da mente.
Agora, tudo tinha que ser transparente, e as intenções do coração passaram a ter peso igual ao mal praticado. Mas o contraditório surgiu rápido em sua mente, ao lembrar de Caim, que planejara em seu coração o assassinato de seu irmão Abel, ocasião em que Deus tinha lhe dado uma chance, ao falar: “[...] o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4: 7). É ─ refletia ele ─ nesse caso houve um desejo urdido no coração de Caim, que se não tivesse sido concretizado, não haveria pecado. Não entendia o “porquê”, da intenção malévola, nesse caso, não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres.
O pregador com o coração carregado de ansiedade já não se entendia mais, debatendo-se internamente contra os muros dos seus pré-conceitos.
Foi naquela marcante noite que ele descera ao porão do seu próprio inferno. Disse para ele mesmo: “não vou mais pregar sobre esse tão enigmático tema!”.
Havia mulheres na sua igreja, que eram belas, e isso ele não podia negar. Bem ─ dizia para si mesmo ─, o perigo reside no fato de admirá-las demoradamente, e isso é uma questão de grau. Depois do achar belo, vem o admirar, e finalmente, de forma sutil, viria a amizade ─ onde tudo poderia resvalar para ilicitude.
Ele admitia que a graça e a misericórdia de Deus cobriam uma multidão de pecados, menos o pecado do “desejo impuro” em relação ao sexo oposto ─, mesmo que de forma involuntária isso viesse a acontecer.
Com a cabeça à mil, ele chegou a sentir saudades da relação Deus-homem do Velho Testamento. Como gostaria que voltasse o tempo de Moisés, onde a pena para o pecado do adultério só era validada quando se ia às vias de fato. Além do mais, pensava: “naquele tempo, não poderia haver lugar para o remorso, pois havia o tal do bode expiatório que ao receber os pecados de todos, desaparecia numa fuga desembestada e doida pelo meio do deserto?”.
No dia seguinte, com os olhos a denunciar que passara toda a noite acordado, prometeu para ele mesmo: “Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso”.
Por Levi Bronzeado
Os seus emocionantes sermões tinham sobre a plateia um poder de convencimento fora do comum. Sem saber que o próprio “saber” é também uma forma de dominação, ele esbanjava a sua verve diante dos que estavam numa posição de inferioridade. E, essa arrogante atitude frente às ovelhas que pastoreava, ele confundia com a vontade Divina. Ele não admitia que as suas velhas certezas pudessem ser contestadas pelo seu semelhante que estivesse a lhe ouvir. Não entrava em sua cabeça a máxima do filósofo Montaigne, que dizia: “a palavra é metade de quem a diz, e metade de quem a escuta”.
Certa noite, após ter feito um longo sermão sobre adultério, sem conseguir conciliar o sono, dedicou-se a autoreflexão. Os pensamentos que assomaram a sua mente foram muito fortes e devastadores, a ponto de deixá-lo receoso de que aparecesse alguém ali, e pudesse auscultar o que estava imaginando naquele momento.
Estava aturdido com o versículo emblemático, tema de seu último sermão, que como cola em madeira, impregnara o seu cérebro: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já cometeu adultério com ela. ( Mateus 5 : 28)
“Antigamente era melhor. Depois de Cristo, ficou mais difícil, porque, só em pensar o homem já cometeu pecado em seu coração” ─ Era esse o pensamento que vinha sufocando a sua alma após o duro sermão que fizera, com o intuito de conter o início de uma onda de litígios e separações entre casais em sua igreja.
A rígida hermenêutica que seguia letra a letra foi desconcertada pelo humano olhar que fazia, agora, para dentro de si mesmo. Por seus olhos passavam os valores, as crenças, aquilo que ele presenciava no meio da sociedade onde ensinava. Os paradigmas inflexíveis que ele colocara na sua vitrine teológica eram agora objeto de novas interpretações.
Estava realmente hesitante e confuso.
Lembrou-se do zelo de Saulo pela Lei. No afã de fazer prevalecer a Lei, o futuro disseminador do cristianismo, paradoxalmente, perseguia Cristo.
Em sua aflição chegou a perguntar para si mesmo: Nesse ponto, Cristo veio dificultar as coisas para o lado do homem?. Deus se humanizou para tornar mais complicada a vida do homem?
A frase fatal “de que agora se tornou mais difícil”, ─ martelava a sua cabeça.
Estremecido pela contradição humana, ele tentava apaziguar a sua alma, com exercícios e mais exercícios de imaginação. Continuou pensando, formulando perguntas e mais perguntas para si mesmo.
O fato de que Cristo viera resgatar a transparência, que havia se perdido, na relação entre os homens, no seu entendimento, tornara tudo muito mais difícil do que no tempo da Lei. Cristo viera rasgar o véu que escondia a hipocrisia do homem, para expor a trama mental urdida “secretamente” sob a forma de desejos ilícitos ─ era isso que ele de maneira tênue começava a entender.
Um vendaval de perguntas sem respostas, golpeava a sua mente insone na fatídica noite em que ele resolveu mergulhar, mais profundamente, nas águas tenebrosas do abismo do seu ser.
Um rosário de interrogações encharcava o seu confuso cérebro:
O melhor de antes, significava que a Lei só punia o ato, e era cega para as intenções do coração?
O melhor de antes, era porque, a cada sacrifício levado ao altar expiavam-se os pecados, deixando o homem livre para pecar de novo?
O que ficou mais difícil hoje, com relação aos pensamentos pecaminosos, é que com Cristo, não podemos mentir para nós mesmos?
Depois de muito refletir ele chegou à conclusão de que antes de Cristo, o formalismo das representações, como um porão, escondia os recalques e as más intenções urdidas nos recônditos da mente.
Agora, tudo tinha que ser transparente, e as intenções do coração passaram a ter peso igual ao mal praticado. Mas o contraditório surgiu rápido em sua mente, ao lembrar de Caim, que planejara em seu coração o assassinato de seu irmão Abel, ocasião em que Deus tinha lhe dado uma chance, ao falar: “[...] o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4: 7). É ─ refletia ele ─ nesse caso houve um desejo urdido no coração de Caim, que se não tivesse sido concretizado, não haveria pecado. Não entendia o “porquê”, da intenção malévola, nesse caso, não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres.
O pregador com o coração carregado de ansiedade já não se entendia mais, debatendo-se internamente contra os muros dos seus pré-conceitos.
Foi naquela marcante noite que ele descera ao porão do seu próprio inferno. Disse para ele mesmo: “não vou mais pregar sobre esse tão enigmático tema!”.
Havia mulheres na sua igreja, que eram belas, e isso ele não podia negar. Bem ─ dizia para si mesmo ─, o perigo reside no fato de admirá-las demoradamente, e isso é uma questão de grau. Depois do achar belo, vem o admirar, e finalmente, de forma sutil, viria a amizade ─ onde tudo poderia resvalar para ilicitude.
Ele admitia que a graça e a misericórdia de Deus cobriam uma multidão de pecados, menos o pecado do “desejo impuro” em relação ao sexo oposto ─, mesmo que de forma involuntária isso viesse a acontecer.
Com a cabeça à mil, ele chegou a sentir saudades da relação Deus-homem do Velho Testamento. Como gostaria que voltasse o tempo de Moisés, onde a pena para o pecado do adultério só era validada quando se ia às vias de fato. Além do mais, pensava: “naquele tempo, não poderia haver lugar para o remorso, pois havia o tal do bode expiatório que ao receber os pecados de todos, desaparecia numa fuga desembestada e doida pelo meio do deserto?”.
No dia seguinte, com os olhos a denunciar que passara toda a noite acordado, prometeu para ele mesmo: “Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso”.
Por Levi Bronzeado
Fonte:
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2006
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